27 de novembro de 2007

Segue-me tu!

Por Henrique Willer

Amado caminhante, Paz!

Penso que urge cada vez mais uma reflexão profunda acerca dos múltiplos e profundos desdobramentos existenciais da Graça de Deus, ou seja, na ambiência em que ela acontece (ou, pelo menos, deveria acontecer), que é o coração.

Meu desejo sincero é que estejamos libertos do que denomino enquanto uma espécie de “síndrome da alteridade”, que nada mais é do que o retrato perverso de alguém que se preocupa em demasia com o outro, mas que não dá conta – ou não quer, ou algo além disso – de olhar para dentro de si mesmo, e dizer: “o que é isso que me habita”?

Neste sentido, precisamos, como diz Paul Rabinow, ser “antropologizados”, no sentido de uma postura que revele uma espécie de auto-estranhamento de nossas posturas e atitudes, ao invés de considerar que o “exótico”, o “estranho”, o “esquisito” é o outro.

Digo isso porque me pré-ocupo com posturas ditas “zelosas”, mas que, no fundo, são meros reflexos de alguém que ainda não tem o seu “passado-biográfico-eclesial-acidental” resolvido, mas vive sob a penumbra existencial de um passado, em tese supostamente “glorioso”.

Quando isso acontece, a conseqüência (i)mediata é muito patente: o auto-engano, revelado na idéia de que “já passou”, mas, na verdade, não passou é nada.

“As coisas velhas que para traz ficam” se tornam um mero chavão piegas, mas longe de se concretizarem como verdade no meu coração!

Não ficaram para traz coisa nenhuma!

Aliás, não ficam e nem poderiam ficar, vis-à-vis o ser achar que é, mas não o é, à guisa de semelhança com a auto-imagem que a igreja em Laodicéia fazia de si mesma (Ap. 3).

E isso traz angústia.

E isso des-aquieta o ser!

E isso revela que ainda há um longo caminho a ser trilhado!

E isso gera algumas expectativas em relação aos do Caminho, ou mesmo ao próprio caminho da Graça em si, que não se sustentam empiricamente. Aliás, ainda bem que assim acontece!

Portanto, antes de estranhar o que os “filhos da Graça” ouvem, falam, comportam, comem, bebem, vestem, procure simplesmente “dar conta de si mesmo” a Deus. Esta simplíssima e não menos belíssima lição da graça é tipificada exemplarmente na conversa estabelecida entre Jesus e Pedro, na qual o Senhor lhe diz, de modo escancaradamente contundente:

21 Vendo Pedro a este, disse a Jesus: Senhor, e deste que será?

22 Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu (Evangelho segundo João, cap. 21)

Sem tal percepção, o que vier provém – e provém mesmo! – do maligno!

Senão você cairá numa outra “patologia espiritual”, relacionada à idéia farisaica de “Graças a Deus que não sou como eles”.

“Posso até andar perto, ou até geograficamente junto”, mas....há um limite!

Pergunto: que limite é esse?

Quem o define?

Você? Talvez seja, porque eu é que não o serei!

Que ninguém se arvore - principalmente eu - do papel de "guardião da Graça", porque o Pai – e, portanto, ela - não precisa disso. E também porque, quando chamamos pra gente uma "responsa" que não nos é dada, é inexoravelmente engendrada doença da alma, e doença que nos mata, que nos fere, e que, conseqüentemente, fere a outrem.

É a raiz de amargura – uma de suas várias manifestações - travestida de uma roupagem tão sutil quanto maléfica: o tal do “zelo” de Deus.

É a doença pastoral, a qual, diga-se de passagem, nem de longe é fruto exclusivo da megalomania evangélica!

Nosso chamado é para sermos simplesmente Dele, sendo por ele alimentados, e isso me basta!

Indago: te basta? Tem lhe bastado? Mesmo?

Portanto, meu caro irmão, estas breves idéias e perguntas dispersas são um mero fruto da minha singela percepção sobre o Caminho da Graça em BH, e espero que lhe façam bem. E, principalmente, que sirvam para a jornada em Cristo, que nos conhece, e nos chama pelo nome.

Com amor e carinho,

Henrique Willer

Em tempo: considero muito pertinente a leitura -e não uma LEI-tura! - deste texto do Caio Fábio, escrito no início do ano, e que é-nos revelador de verdades espirituais muito importantes. Como segue:


OU SOMOS FILHOS DA GRAÇA OU FILHOS DA IRA...

Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. (Efésios 2: 1-3)

O que Paulo diz acima é extremamente elucidativo no que diz respeito a ensinar-nos de onde vem a “ira de Deus”.

Já tenho dito inúmeras vezes que a “ira de Deus” não é uma ação divina de esmagamento humano, mas a simples retirada do Espírito da Graça que a todos protege; a todos os que andam em verdade e no temor de Deus; mesmo que não conheçam o Evangelho como “informação”.

Paulo diz que a “ira” da qual nos tornamos um dia “filhos” — outrora — é fruto de já termos nascido mortos em delitos (pecados deliberados) e em pecados (tortuosidade essencial de cada um). Por isto ele diz que se trata de algo na nossa “natureza”.

A ordem histórico-psicológica dos fenômenos descritos por Paulo é “mortos em pecados e delitos” (ao invés de ser “em delitos e pecados”).

Digo isto porque a doença primal é o “pecado essencial”; e que se manifesta como inclinação, como pulsão, como vontade, e como pensamentos; e que produzem o pecado deliberado (delitos).

Ou seja: todos os delitos são gerados pelos elementos de qualidade essencial que nos habitam a “natureza” do ser-caído.

Assim, nós temos:

1. A natureza essencial; e suas inclinações e fomentações de volição animal e dos pensamentos, estimulados pelas nossas “inclinações”.

2. Os delitos, os quais são gerados por tais pulsões de natureza essencial.

Ora, a tais elementos, são agregados outros fatores e influencias; a saber:

1. O curso deste mundo – que é o acumulo de todas as nossas pulsões e volições caídas, e que formam a massa e o volume daquilo que nós chamamos de “Humanidade” ou de “mundo”, no sentido negativo.

2. O príncipe da potestade do ar, e que atua nos filhos da desobediência – alusão aos espíritos que trabalham contra a vida humana; e que são associados ao diabo ou satanás.

Portanto, temos nossa natureza (volição, inclinação, vontade, instinto animal) sob a influencia daquilo que coletivamente nós mesmos criamos (o mundo), e que existe alimentando os principados e potestades que exercem sobre nós a mesma qualidade de influencia que lhes servimos como natureza e inclinação nossos.

É nesse contexto que Paulo nos chama de “filhos da ira” em nosso estado essencial, sem a consciência do Evangelho; ou, quando entregues às nossas vontades, pensamentos e inclinações.

Assim, a “ira” que sobre nós está, de fato, não vem de fora de nós, mas de nossa própria natureza intrínseca.

Ou seja: a ira de Deus é o andar humano sem Deus!

Desse modo, tudo quanto as Escrituras designam como juízo divino nada mais é que a volta daquilo que os humanos produzem em seu próprio caminho...

A natureza inclinada à morte, é filha de um andar sem entendimento de Deus, e que se entrega às suas próprias vontades, desejos e inclinações, os quais geram os pensamentos que haverão de se transformar em comportamento objetivo, moldando um mundo que alimenta os poderes espirituais que se servem da própria produção humana, e que recaem outra vez sobre os próprios homens como fator de influencia poderosa.

Ou seja: tais poderes “atuam” sobre os humanos; individual e coletivamente.

Andar sem este entendimento é caminhar no caminho da ira!

Ira...; porque o andar sem a consciência do amor de Deus e sem a determinação da vida em fé no que como Graça já nos foi feito, é aquilo que nos põe no chão da calamidade interior.

Assim, paradoxalmente, a “ira de Deus” nada mais que a maldade humana voltando-se sobre ele próprio.

A cura para tal mal é o perdão de Deus!

E isto é que é chocante para a maioria das pessoas. Sim! Porque sempre se pensa que é a moral ou o comportamentalismo os poderes que podem curar o homem — sendo que Paulo diz que tais coisas têm aparência de sabedoria, mas não possuem nenhum valor contra a sensualidade.

Assim, Paulo continua:

Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou; e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos; e, juntamente com Ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.

Desse modo, ainda que pudesse escrever um tratado sobre assunto tão vasto e de aplicações tão profundas e abrangentes, quero, todavia, apenas estimular você a tomar posse pela fé de todo o bem que da Graça nos vem; e, pelo qual, deixamos de viver sob a culpa que emula os instintos mais animais de nosso ser.

Se, todavia, crermos, a fé nos põe perdoados no caminho da Graça; que é a exata contraposição ao caminho da ira.

Existir como “filho da ira” é viver sem a consciência do perdão de Deus e de Sua Graça para conosco!

Ou o que sobra para a alma humana sem a consciência do amor de Deus?

Ora, sobra apenas a culpa essencial que estimula a pessoa a existir somente em função da busca de algum significado para a vida, o que, frequentemente a coloca exatamente na vereda das pulsões e em obediência aos estímulos que nela brotam consciente ou inconscientemente.

É a falta dessa consciência que alimenta o poder de toda forma de sacerdotalismo entre os humanos — seja religioso, seja moral, seja psicológico, etc.

Também todas as nossas neuroses e paranóias nascem desse chão no fundo do ser. Sim! Desse chão sem amor e perdão!

Pense nisto!

Nele, que fez por nós todas as coisas,

Caio

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